quinta-feira, 8 de setembro de 2011

COMO HAVEMOS DE VIVER?

O Crime menos ameaçador é quase ignorado, mas também veicula a sua mensagem. Todos os dias, 155 mil utentes do Metro saltam sobre as portas de acesso. Num ano, esta evasão custa à cidade pelo menos 65 milhões de dólares que poderiam ser usados na melhoria dos transportes públicos,. Também dá um exemplo muito visível de desprezo pela ideia de que aqueles que tiram partido de um bem público devem desempenhar um papel no seu apoio. Mas por que não andar de borla, se se consegue não ser apanhado? Não é o que fazem todos? Então, para quê ser estúpido e agir de outra forma? Um americano entrevistado para os Habits of de Heart, um influente estudo dos valores norte-americanos de meados dos anos 1980, colocou-os nos seguintes termos:
Todos querem estar em cima e fazer as coisas à sua maneira. È como numa relação […] Quero dizer, não quero ser o único a sofrer. Não quero ser o único a sofrer. Não quero ser o único palerma. Não quero ser o bobo da festa quando os outros não fazem a sua parte.
O génio libertado pelo nosso incentivo ao simples interesse próprio debilitou o nosso sentido de pertença a uma comunidade. Cada indivíduo adota a ética de “olhar cá pelo número um”. Vemos os outros como fontes potenciais de lucro e esperamos que os outros nos vejam da mesma forma. A suposição é que o melhor é olharmos por nós próprios, pois o outro aproveitar-se-á de nós sempre que tal lhe for possível – e a suposição torna-se uma profecia que se cumpre a si mesma porque de nada vale ser cooperante com quem não sacrificará o seu ganho pessoal de curto prazo a favor de benefícios mútuos de longo prazo. Mas uma associação de indivíduos isolados não ligados por um sentido de local, por extensos laços de parentesco, por lealdade para com um empregador, mas apenas pelos laços efémeros do interesse próprio, não pode ser uma sociedade boa. Uma tal sociedade fracassará mesmo que professe que o seu papel é meramente conceder a cada cidadão “vida, liberdade e demanda da felicidade”. Fracassará na concessão disto, não só aos pobres, mas até aos ricos. Como escrevem Robert Bellah e os seus colegas e Habits of the Heart, “ Não é possível ter uma vida rica privada num estado de cerco, desconfiando de todos os estranhos e transformando a casa num quartel-general”. Na ética e na formação de uma comunidade há espirais virtuosas e espirais viciosas.
Estamos a caminho da criação de cidades que são meras agregações de indivíduos mutuamente hostis, vacilando no limite da guerra hobbesiana de todos contra todos. Sempre que o soberano não conseguir reunir força suficiente para exercer pressão sobre os restantes, a guerra pode eclodir, e os indivíduos estão armados de forma mais letal do que Hobbes poderia alguma vez imaginar. A menos que iniciemos agora a difícil tarefa de restaurar um sentido de compromisso relativamente a algo que não nós próprios, esse é o futuro que nos espera.

“ Como havemos de viver?” Peter Singer, Dinalivro , Lx2006

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